quinta-feira, 21 de março de 2013

Medo.


Cada dia mais no limite, cada dia mais no fio da navalha. Estes não são os tradicionais crepes chineses da rua em cama de cartão. Eu vi-os no aeroporto mais ou menos asseados, arrastando malas baratas de lona cheia de borboto e de fechos estragados. Pedem um cigarro ou até mesmo as beatas e confundem-se com a multidão viajante. Eu vi-os na Gare do Oriente, arrastando bagagem que se resume a um monte de nada. Eu vi-os esta noite a juntarem-se em pequenos grupos tentando decidir talvez o lugar que irá servir de cama, ou quem ficará de vigia na noite que se aproxima. Eu vi-os e tive medo da verdade. Tive medo da miséria, da pobreza, do caos socioeconómico. Acelerarei o passo aconchegando o cachecol ao pescoço escondendo uma pequena joia, e consciente do meu egoísmo, continuei ainda com mais medo dos nossos novos pobres fugindo deles como quem foge da pior escumalha. Fugi de pessoas a quem lhes foi retirada a dignidade de um trabalho, uma casa, uma família. Apressei-me até ficar a salvo deste cenário dantesco e tive vergonha do meu medo.
 
Mz
 
 
Imagem: Tela de Amedeo Modigliani
Portrait of Maude Abrantes pesquisa google