domingo, 23 de junho de 2013

Um de Tantos




Um de tantos homens.
Um de tantos dias.
E sozinho, num olhar perdido;
 É mar, céu, terra, cheiros, cores.
Tudo é tanto, muito, infinito.
E ele tão pequenino
É sol e sombra, tudo fugidio.
 Um cigarro fumado, enrolado no pensamento.
Um ir e vir de esperança
 Um olhar de nevoeiro, onde tudo parece igual.
Cinzento.
 
mz
 
 
 
Original escrito para o desafio da Helena Lagartinho através do Blogue da Pastelaria
"...Quem gostaria de dar uma história ou poema a esta foto?..."
 
 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ontem foi dia de Festa




António desculpa-me, mas vou tratar-te como pessoa das minhas relações. Vou tratar-te como homem e deixar o Santo de lado. Vives na minha aldeia, tens casa perto da minha, para quê tanta frescura? Tenho-te desde que nasci.
Todos os anos, por esta época, escrevo-te ou descrevo-te. São de ti estas crónicas onde conto como te enfeitam, como te ajeitam, como te levam a passear de poleiro num andor rodeado de flores. Se fosses vivo, e por razão de regras sociais, um António florido, seria alvo de chacota, ou não fossem as flores mais atribuídas às mulheres. Salvo, se fosses florista, que os há de uma grande sensibilidade e profissionalismo!
 À partida, tudo isto parece ridículo. Do poleiro no andor, nada a dizer, pois qual é o António que não recorre a um meio de transporte? As flores toleram-se. Toleram-se e não apenas por teres o estatuto de Santo, mas particularmente, por levares o teu menino ao colo. Tenho na minha perceção, que tudo ganha uma forma mais ingénua, mais pueril e graciosa.

É porque as flores combinam com a pureza das crianças, oh meu Santo António!
 
Mz
 
Imagem:Tela de Armanda Passos aqui
Pintora Portuguesa, expõe desde 1976

terça-feira, 11 de junho de 2013

Os Pássaros não me deixam dormir


 
Ninguém pode ser o mesmo se lhe incomoda a cantoria da passarada.
Porém, quem quer acordar com as galinhas por causa de meia dúzia de passarocos madrugadores? Na aldeia, nada, nem ninguém é inocente.
A figueira dá-nos figos deliciosos, contudo, nada cresce por baixo da sua frondosa sombra. As ervas daninhas, umas loucas gananciosas a apoderam-se de tudo o que podem. Aquela romântica, bucólica e inocente aura que os poetas atribuem à aldeia, não existe efetivamente. E a saudade é apenas saudade. As pessoas não são inocentes. Prendem os cães com cadeado e dão veneno aos caracóis. Ao domingo, as mulheres, depois da missa, anseiam por falar da vida alheia e os homens, a maioria, ficam à porta do café central a ver passar navios, que é como quem diz; a fazer rien de rien.
O melhor da aldeia é poder ir ao quintal colher laranjas para sumo, um limão ou outro, tirar-lhe uma pontinha de casca para o Martini e ao fim do dia, uma mão cheia de cidreira fresca para a verdadeira infusão ao deitar da cama. O melhor da aldeia, é ter estes mimos sempre à mão sem sair de casa. Que pena os pássaros não me deixarem dormir.
 
Mz
 
 
 
imagem: Tela de Armanda Passos aqui
Pintora portuguesa, expõe desde 1976 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Rua é um Circo



Um destes dias espantei-me com um homem sentado no meio do pequeno largo. Pessoas à sua volta como se fossem pombas a rondarem um pedaço de pão. A música oriental, o tronco nu e a posição em flor de lótus, também me seguraram os passos, e o jovem faquir na sua plataforma de pregos afiados prendeu-me o olhar. A rua é um circo. E um julgamento muito rápido que me fez lembrar o que hoje se faz para se ganhar uns trocos. Deveria ter dito - sobreviver, ou viver, quiçá. Precipitei-me no meu julgamento, e reconheço o quanto sou muitas vezes deliberadamente apressada no meu juízo. Na verdade, o espetáculo de rua e a dignidade de quem o cria e executa, a sua criatividade e o treino, vão muito para além do aventar de alguém. É a coragem da exposição. É atirarem-se para a rua e, ao primeiro olhar, confundirem-se com a infelicidade que é miséria e não arte.
 
Mz
 
 
Imagem: Tela de Armanda Passos, aqui
Pintora Portuguesa, expõe desde 1976