quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2011...


Têm tocado sininhos aos nossos ouvidos. Não são sininhos dourados e angélicos com toque de paraíso que nos acalmam e relaxam, não! E, aqui apetece-me pôr o indicador em riste porque, os sons destes sininhos são agoirentos e tão estridentes que ameaçam rebentar-nos os tímpanos. Para além dos sininhos, rodopiam as sombras do rabudo belzebu num zunzum que nos inferniza a expectativa de um ano esperançoso. Não vale a pena ser explícita e falar do estado da Nação e de toda a conjectura internacional. Vós sois pessoas inteligentes!

Sou da opinião de que não devemos sofrer por antecipação, mas o número deste novo ano de 2011 remete-me para um imaginário de gigantescas sombras alongadas e soturnas com apêndices a rabearem como caudas peçonhentas. Cortamos um mal e logo se forma outro. É que não consigo ver este número onze de outra forma. Acho que a culpa é dos tais sininhos agoirentos de que falo lá em cima.

Quero espantar este rabudo Belzebu que me azucrina e me faz ter um pé no céu e outro no inferno. Quero entrar com o pé direito neste novo número apanhá-lo com unhas e dentes e acreditar que nem tudo vai ser tão duro.

A todos os que me lêem desejo um Bom Ano... e lutem com todas as armas!




*★ ★* 。 • ˚ ˚ ˛ ˚ ˛ ••。★★ 。* 。
° 。 ° ˚* _Π_____*。*˚
˚ ˛ •˛•*/______/~\。˚ ˚ ˛
˚ ˛ •˛• | 田田|門| Um Feliz Ano 2011!




imagem daqui

Com carinho
Mz

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Natal...


De certa forma sou egoísta...
Para além de todos os conflitos sociais, económicos e políticos. Para além de toda a fome, frio e outro tipo de carências que existem no mundo. O que me toca de verdade são os mais próximos de mim. É Natal. Nascimento. Celebração. Aniversário. Jesus... dois mil e tal anos depois. Pouco me interessa se é a data correcta do nascimento. Faço o presépio, a árvore de Natal, recordo Jesus Menino e a história de um homem que existiu e que fez a diferença entre a humanidade. Acredito. Se não acreditasse, então colocaria toda a história da humanidade em causa. No meu País, colocaria em causa as conquistas de D. Afonso Henriques, ou a coragem da Padeira de Aljubarrota e por aí fora...

Hoje quero falar desta quadra que tanto encanta as crianças e que tem por tradição unir a família. Dizem que Natal é sempre que um homem quer. Dizem que Natal é stress. Dizem que Natal é consumismo. Enfim... dizem tanta coisa! Independentemente da religião, só as crianças são verdadeiras. Eu também fui criança e tento todos os anos reviver um bocadinho dessa magia que é o Natal. Acreditem que existem anos em que me esforço. E voltando ao início do texto, as pessoas que me tocam de verdade são as mais próximas de mim. Entristece-me saber das maleitas do mundo, mas entristece-me mais saber que tenho amigos que não estão bem neste momento de festa. Entristece-me saber que não poderei abraçar pessoas que estão longe ou outras que já não estão entre os vivos. Eu estou viva e quero festejar e partilhar palavras escritas ou faladas, mensagens electrónicas, objectos especiais, iguarias, brinquedos, música, livros, carinho, afecto. Partilhar com quem tem muito pouco e com quem tem mais um bocadinho. Causa-me alguma confusão a pessoa que grita de peito feito que não precisa de nada.Na sequência desta crise, não dão nem querem receber... tornam-se tão ridículas quando passaram o ano todo num consumismo desmesurado. Apenas as crianças se salvam!

Eu quero viver, quero partilhar e quero receber abraços, beijinhos, palavras, prendinhas e mimo!


Boas festas e Feliz Natal!




Galeria-Pintor Italiano (Alta Renascença) aqui 



Com carinho
Mz

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sem Abrigo...



"Sem abrigo" em condomínio fechado...

Vive um onde moro.
Alguém o adoptou e reeducou a voltar a viver entre quatro paredes.
Alto, magro, pele macilenta. A barba é feita uma vez por semana. O rosto, quase sempre coberto pela sua farta cabeleira de caracóis negros que ondulam conforme o vento ou à mercê de movimentos bruscos.
As roupas são limpas, conquanto, nota-se que já pertenceram a outros. Por norma, as calças são curtas e os sapatos arrastam um ou dois números acima.
Não é jovem, mas também não é velho. É difícil definir a sua idade. Parece sofrer de alguma doença mental. Tem um relacionamento com um dos bancos do jardim, senta-se sempre no mesmo. Por vezes, escolhe ficar debaixo dele, outras vezes, deita-se à sombra de uma árvore, mas sempre bem pertinho do "seu" banco. O jardim recebe-o sem discriminação.

Nunca falei com ele.
Não sei o que lhe vai na alma, só sei o que vejo.
Naquele banco de jardim, ele cruza e descruza as pernas, esperneia, barafusta. Os seus braços gesticulam sem nexo.
A cabeça não pára e, em movimentos rápidos olha para um lado e para o outro, como se existisse algo a persegui-lo.
Todo o seu corpo balança em movimentos descoordenados.
Por vezes, esfrega a cara, leva a mão ao bolso e tira um cigarro. Fuma-o gulosamente dando a entender que talvez seja o último da sua vida.




Para Fábrica de Letras
Tema:Objectos, Pessoas, Sítios e Acontecimentos





Imagem: Google

Com carinho
Mz


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Escrever...


Se um dia alguém escrever para ti com paixão partilhada,
Guarda essas palavras como um alfabeto de emoções.
Guarda as palavras do momento.
Guarda o papel se assim for...
Mesmo que aches ridículo anos depois,
Mesmo que já não te digam nada essas palavras...
Guarda-as, se um dia alguém escrever para ti.
Serão da tua história, do que tu foste, partilhaste e um dia também, sentiste.




Óleo sobre tela de Henrique Bernardelli aqui

 
Com carinho
Mz

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Uma Mulher...


Francelina apareceu não sabemos de onde.

De lugar em lugar, estacionou na minha aldeia e por lá continua a circular vai para cima de uma década. De rosto envelhecido e mãos mimosas, esta mulher lá vai vivendo como pode. Agarra-se ao trabalho quando o vício do vinho lhe dá folga. Leva para casa uns euros, alimentos da terra e os restos do almoço da patroa do dia. Apesar de desengonçada, olhos esbugalhados e de bafo a roçar destilarias, é mulher e tem desejos como outra qualquer. Quis Deus que a humanidade se desenvencilhasse com as suas próprias ferramentas por isso, nunca falta um testo para uma panela. Francelina arranjou um namorado. Trabalhador, mas igualmente viciado em copos de tinto rasca e outras bebidas ao nível da sua carteira.
Há um par de semanas, montaram na sua motorizada rumo a uma festa à distância de vinte km, mais coisa menos coisa, como tudo na vida destes dois. O divertimento secou-lhes a garganta, era tempo de dar trabalho ao fígado e alimentar a úlcera que se começava a manifestar. Emborcaram generosamente de tudo, era início do mês e a carteira ainda pesava. Se para lá foram sóbrios, na volta, o vício turvou-lhes a visão. Conscientes e porque têm amor à vida, regressaram devagarinho noite fora com a Zundapp a rasgar o silêncio. De olhos arregalados e chorosos do vento, encandeiam-se com as luzes e o verde reflector da brigada de trânsito. Francelina vê a vidinha a andar para trás e desata em prantos como uma Madalena arrependida. E, se o seu companheiro acusou álcool no sangue, ela superou-lhe o nível.

Com o veículo apreendido e sem dinheiro para pagar a multa, regressam a casa de rostos gelados mas de pés a ferver. Francelina, que não é mulher de baixar os braços, já passou por muito na vida, magicou a noite toda a engendrar quem lhes podia valer.
Com ardência na boca do estômago, e as fontes da cabeça a latejar, planta-se à porta de casa do Sr. Presidente da Junta da Freguesia. Com palavras lamentosas e semblante estoirado da noite, pede-lhe por todos os santinhos que os ajude e lhes pague a multa.

Ora, o Sr. Presidente da Junta, um rapaz muito bem-apessoado, licenciado em Relações Internacionais, de gostos caros e muita diplomacia, rapidamente resolve a situação. Paga a multa mas, em troca, os dois terão de fazer trabalho comunitário. Com vénias e agradecimentos excessivos, Francelina esfrega as mãos de contente. O facto de tamanha alegria já tinha àgua no bico, porque esta mulher não dorme para se safar! E, assim lá foram despachados para o cemitério com trabalho destinado até conseguirem repor a dívida. Inchada com a sua capacidade de resolução dos problemas, enquanto o companheiro se esfalfa a executar o que lhes foi atribuído fica ela a dar à matraca com quem se cruza por aqueles sítios, vangloriando-se da sua esperteza e rapidez de raciocínio.




Para Fábrica de Letras
Com o tema: “Uma Pessoa”

(o nome da personagem principal é fictício para preservar a identidade verdadeira)

Galeria Picasso aqui


Com carinho
Mz

domingo, 28 de novembro de 2010

Aldeã...


Um dia chamaram-me Aldeã.

Gosto da palavra.
Nasci na aldeia num tempo em que as mães pariam em casa. Quem me amparou foi uma parteira aflita por ter nas mãos duas vidas. A de uma grávida, minha mãe e um ser pequenino com vontade de vir ao mundo - eu.
Nasci numa madrugada de Primavera e, enquanto toda a aldeia dormia, gritava eu, de vida. Esperneava sem saber quem me sustinha fora do ventre.
Gosto de aldeã, gosto de camponesa. Cresci com o aroma das frutas, cortei cachos de uvas e colhi maçãs, nunca lavrei uma terra, nem me deitei no feno. Doce e feminina, cresci. Tornei-me mulher com a fantasia de me sentir erva aromática exalando  perfume sempre que o amor me acaricia e me esfrega com a ponta dos seus dedos.








Pintura: Julien Dupre

Com carinho
Mz

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Debaixo da língua...



Longe da terra estrumada e revirada. Longe das hortas, dos vasos de barro vermelho, dos hábitos simples e rotineiros da aldeia quedo-me nostálgica. Nostálgica e inquieta quando certos nomes ficam debaixo da língua e não saem quando quero. Da terra, as plantas e principalmente as flores.

E, se me lembro, eram, e ainda são tantas as variedades trocadas entre amigas e vizinhas que os jardins tornaram-se vaidosos e as donas orgulhosas. Anos de abundância em que as flores também têm um lugar de destaque na sociedade. As flores tornaram-se sinal de um tempo farto, de um tempo sem fronteiras e de crescimento económico. Foram anos esplendorosos de novidades num país esperançoso.
Longe estão os tempos em que havia uma Primavera só de malmequeres brancos e amarelos, de cravos e cravetas, das primeiras pétalas de rosa para as noivas de Maio e dos varões de S. José para as primeiras comunhões. No Verão, as hortenses, dálias, camélias, gladíolos, zínias e a estranhas flores de papel tão coloridas e de cheiro seco e indefinido.
Sempre as mesmas flores, sempre as mesmas sementes...
O Outono, com os velhos crisântemos da época, símbolo de saudade e ainda as últimas rosas à espera que o vento  as desfolhasse. E, pobre era o Inverno de cândidos e envergonhados jarros brancos escondendo as fálicas saliências amarelas. O antigo espargo entrelaçado e preso em redes especiais permaneciam mais verdes que em todas as estações. Do interior das casas, espreitavam às janelas vasos fartos de finas e rendilhadas avencas.
Era assim noutros tempos.
Sempre as mesmas flores, sempre as mesmas sementes, e destas eu não irei esquecer, nunca!



(imagem:google)


Com carinho
Mz

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Fados...


Existem fados que inquietam e ferem a alma.
Feridas feitas por cão danado que abocanha o peito.
É dor na vida.
Sons de guitarra desafinada.
Escassas e indiferentes são as vozes, sérias.
Meu fado, meu país...
Ruas da calçada onde a chuva é turva,
Vielas escuras e mal cheirosas.
E, as palavras... promessas e mentiras.
Palavras que lavram na lama.
Tudo é esterco esgravatado nos corpos.
Corre o fado e corre a vida.
Fados negros.
Sentimentos estéreis.
Aqui nada é semente.
Nada é terra. Nada é árvore. Nada é fruto.
Ser nada inquieta.
Fecundar vazios e impossíveis.
Neste fado apenas ser...
Infértil.



fotografia de Carla Salgueiro aqui



Com carinho
Mz




quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Beijos...



Um dia, vou passar uma tarde inteirinha aos beijos.

É uma ideia que não me sai da cabeça sempre que alguém já antigo me fala dos namoros da sua época.
É uma ideia que me persegue. Não resisto a imaginar anos de namoro em que só os beijos eram permitidos. Beijos calculados,  cuidados, fugidios, roubados a medo ou com paixão. Atrevo-me a questionar se o prazer daí recebido seria único e soberbo e até onde levariam os amantes. Longe dos beijos de hoje, que rapidamente saltam para um frenético impulso faminto de sexo devorando-se libidinosamente. Hoje, são beijos saciados apenas e somente num  desaguar de espasmos no seu pico máximo de prazer.

Um dia, vou passar uma tarde inteirinha aos beijos...
Beijos suaves e leves, gulosos e também profundos. Vou  misturá-los com frutas exóticas e uma ou outra bebida. Depois, mais beijos...
Beijos trincados e saborosos, doces, ternos e outros tão longos que serão capazes de nos incendiar. Depois, talvez uma pausa para outras brincadeiras com risinhos à mistura e regressar novamente aos beijos.
Beijos.
Apetece-me dizer que o melhor do namoro é o beijo, muitos!
Muitos beijos...
E, se a paixão se medir pela quantidade de beijos dados, eu irei ter os lábios deformados de tantos beijos trocados.

Direi mesmo, que tantos beijos serão o princípio de um orgasmo perfeito.




Imagem: escultura de CONSTANTIN BRANCUSI - O Beijo, 1908








Com Carinho
Mz

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ilusão...


Como se não bastasse eu ser terrivelmente influenciada por um ritmo circadiano em que a luz solar é fundamental para o meu bem-estar físico e psicológico.
Como se não bastasse ter Outono e Inverno para me deprimirem todos os anos até me habituar aos dias mais curtos.
Como se não bastasse este jogo da Natureza, tenho ainda a vaidade humana que me impõe uma Comissão Permanente da Hora que, para me confundir ainda mais sou obrigada a adiantar ou a atrasar o tempo.
E, tenho um Sol poderoso mas tão facilmente dominado por outros elementos. Tenho noites mais longas e o medo do escuro. Tenho a conta da luz que cresce conforme o frio. Tenho em todos os interesses do homem a causa de uma transparência confusa.
Aceito as regras. Aceito os jogos da Natureza mas, ainda assim, murmuro baixinho;

Tudo é ilusão...
Tudo é  ilusão!








Para a Fábrica de Letras
com o tema "Transparência"



Imagem Credit: Vincent van Gogh Aqui 




Com carinho
MZ

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Tempos...



Não são as tuas folhas caídas que me comovem,
Nem o chão atapetado de natureza morta.
Não me comove sentir harmonia no chão desarrumado pelo vento,
Nem as cores maravilhosas das tuas folhas, ainda que presas por um fio num galho frágil.
Excessivamente afogueado...
És Outono.
És caduco.
És perene e abusivo.
Despes a vida e tornas-te quase inconvenientemente sublime.
Sublime e contraditório.
Trazes na morte a renovação.
Mas hoje, tu não me comoves, porque tu és de acordo com a época.
Assim deve ser a tua natureza.

O que me comove hoje é o teu banco de jardim.
Comove-me o teu banco pintado de verde à espera de gente sem esperança.
Sem cor.
Sem rumo.
Gente quase perdida num Outono de desespero.

Comovem-me os tempos que se auguram difíceis.




Fotografia: Soldadodesconhecido


Com carinho
Mz


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vidas Aceleradas...



Nem sempre somos o que desejamos ser neste ritmo acelerado de vida moderna.
Ao núcleo familiar, impõem-se-nos vidas formatadas que têm de corresponder à sociedade que criámos. Da profissão, às amizades, da moda aos produtos de supermercado, tudo entra na pessoa de cada um. Nada nem ninguém fica de fora. Somos cabeças cheias quase a transbordar de imposições, de obrigações inalteráveis, de responsabilidades, de exigências e competitividade profissional. A este ritmo alucinante impõe-se-nos ainda um “pacote” por vezes improgramável.
São estes ritmos acelerados e com atitudes fortes que não nos permite desacelerar o suficiente quando é necessário.
Urge melhorar o sistema de travagem para não atropelar os que nos são preciosos.


Fotografia: Helder Ribeiro aqui

Com carinho
Mz

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Tonta...




 Tonta...

Tem dias que quero que me sintas tonta. E eu sou tonta quando quero e finjo acreditar. Sou mais tonta ainda porque me sinto poderosa. Poderosa ilusão por deter a tua “menos verdade”.  Para não desacreditar, finjo ser verdade o que de todo não o é. Passa a ser um segredo meu.
Tateias-me de mansinho, sentes que sei. Calamos um pouco as palavras e os risos deixam de ser tão rasgados. Espero por ti assim, numa poderosa ilusão. Espero-te calma. Observo-te. Avalio-te. Tu, continuas a tatear-me de mansinho porque as saudades do meu sorriso espontâneo e a graça do meu falar inquietam-te e rodeias-me incessantemente. Sem súplica, chega o momento certo e uma força invisível empurra-nos naturalmente um para o outro. Então depois, conversamos sem pressas e confessas consciente a tua “menos verdade”.






Linascheynius-Photography


Com carinho
Mz

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Chuva




 
Nesta tarde quase noite de céu acabrunhado
A chuva, meu amigo, cai desavergonhadamente.
Cai fria em rosto afogueado.
Acelera passos e emperra ossos velhos.
Prende a idade em casa e a casa é refúgio.
Os bichos enroscam-se em abrigos nesta tarde quase noite.
No cinzento do dia meu amigo, lá fora, a natureza molha-se.
A terra que já é lama, faz pesar mais cada passo.
Arrastam-se as botas gastas pelo campo
E os saltos finos, atrasam os encontros.
As ruas já são rios, nesta tarde quase noite!






Fotografia: Nuno Sampaio

Com carinho
Mz

sábado, 2 de outubro de 2010

Terra Flutuante...



Assim que poisei os pés naquela ilha, disseram-me que tinha de guardar pedras nos bolsos para não levantar voo.
Que os tremores daquele cálice de terra flutuante se confundiam com as aterragens e descolagens dos aviões...
Mar e céu, iriam confundir-se e comungar da mesma cor e, o horizonte seria sempre azul.
Chão semelhante a sapatos de defunto. Muita chuva a acentuar o cheiro químico libertado discretamente em fumos e fumarolas denunciando quão viva era esta terra.

Esperava-me chuva, vento, temperaturas amenas, muita humidade na minha pele. Alguma quietude e um genuíno medo camuflado por paisagens idílicas.
Sim...
O medo aparecia sempre que a chuva acentuava o fumegar tóxico do enxofre descendente das profundezas. Das profundezas que guardam o fogo ardente da lama incandescente. O cheiro do centro da terra que, aparentemente nos engana parecendo adormecida.
Nos primeiros dias, senti-me estonteada pela velocidade louca das nuvens.
Desisti de usar guarda-chuva, pois este voltava-se ao contrário a maior parte das vezes.

E foi quase sempre assim, debaixo de chuva miudinha que o vento me trouxe também o cheiro verde e tenrinho da erva abundante sempre renovada em rectângulos divididos por pedaços de lava.
Fusão de cheiros a terra e mar.
Mar farto e violento que galgava as escarpas negras mas que amansava junto das areias cinzentas da praia. De uma praia, onde a enseada permitia banhos mornos mesmo que a chuva teimasse em cair no Verão e de onde ninguém arredava pé, porque quando isso acontecia, todos esperávamos a visita de um arco-íris perfeito. E a chuva doce limpava-nos o sal do mar.

Recordo a Ilha dos 4 vulcões, a Ilha dos derrames de lava, dos Impérios e dos mistérios negros.
Lá onde o vento é pai de uma vegetação rara e rasteira e a Chuva é mãe da majestosa floresta rendilhada de cones quase perfeitos de criptomérias.
Lá onde a chuva tem outro encanto, os caminhos são bordados de azul e, o cheiro, é também pot-pourri de hortense.





Para:Fábrica de Letras 
Tema: "O Cheiro da Chuva"


Imagem Google:daqui





Com carinho
Mz



sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Adeus...


Eu gosto da palavra ADEUS.
Soa-me bem e tenho orgulho em a verbalizar sem preconceitos fatalistas ou conceitos supersticiosos.
Não a sinto como uma palavra de carga negativa ou mesmo definitiva.
Não concordo com a teoria de que ADEUS é a palavra mais triste para uma despedida.
Sabem porquê?
Porque o que me entristece é a separação das pessoas que eu gosto. O que me faz doer é distância e a ausência, não a palavra.
Gosto de usar a palavra ADEUS com alegria, com a esperança de um novo encontro. Gosto de a pronunciar com sorrisos e com acenos de mão.
Como os bebés...
Sim... como os bebés, ou já se esqueceram que esta é uma das primeiras palavras que aprendemos e ensinamos a pronunciar e a gesticular de um modo arrebatador a esses seres pequeninos que nos enchem de orgulho quando conseguem tal proeza?
Adoro vê-los de mãozinhas a acenar e só me enchem de boas energias.
Eu gosto da palavra ADEUS quando todos parecem fugir dela depois de atingiram a fase adulta.


Verbalizo-a nas minhas despedidas calorosas e carinhosas.







Foi o Johnny que me fez reflectir sobre esta palavra ao ler e ao comentar o seu último post AQUI


imagem: google


Com carinho
Mz




segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Das uvas...


Dos meus escritos, guardo um texto em que escolho o fado como metáfora de um trecho da minha vida.
Decidi que hoje ainda não é o dia de o partilhar com vocês. Tem um quê de profundo e de dor. Hoje não é o dia.


Apetece-me deixar-vos um pedacinho de Setembro. Um Setembro rural, de cepas retorcidas. Das vinhas coloridas, das parras recortadas, dos cestos fartos de cachos negros e dourados e da sua polpa a rebentar de sumo.
Apetece-me este Setembro e podia continuar a escrever assim, neste tom levemente poético e bucólico. Mas, também hoje, quero realçar o produto final da vinha. Em especial, descrever as características de um vinho que bebi ao almoço e do rótulo da sua garrafa que tenho à minha frente. 
Fala-me de uma casta especial-BAGA- plantada em vinhedos de solos argilosos e calcários, do seu sabor a framboesa, a amora e cereja que exprimem os diferentes lugares onde as uvas cresceram.
-Por mais que saboreie... raios se me sabe este vinho a frutos vermelhos!

Estou distraída demais para continuar. Não estou em silêncio e, da televisão, saem-me tiros de um filme que já vi e revi umas quantas vezes “Shanghai Noon” - posso mesmo dizer que estou de certa forma com um olho no burro e outro no cigano.





imagem:daqui





Com carinho
Mz

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Serenatas...


Um dia perguntei-lhe o que mais a marcou nos Verões da sua juventude.

Então...
Aconchega-se no sofá e, muito calmamente, passa uma mão engelhada pelo cabelo de cinza. Os seus olhos azuis parecem rir de contentamento...
Abre-se a estrada do tempo e já não são só os olhos que parecem rir. Sem eu contar, dos seus lábios pouco firmes, uma gargalhada bem sonora e contagiante, faz-me rir também. Leva uma mão ao peito como que para acalmar a satisfação e inicia assim as suas memórias de verões já um bocadinho antigas.

Fala-me de um luar com cheiro a flor de laranjeira, das noites quentes, dos acordes de viola, de cantigas e de vozes em serenata.
Sim... as serenatas!
O acordar único em noites de Verão, foram prendas que nunca mais esqueceu. O silêncio amplificava o som e, as vozes dos rapazes, mesmo que desafinadas, soavam mágicas naquelas capas de luar.
Deixava-se abandonar na cadência e repetia baixinho todas as cantigas que se iam soltando.
Voltava-se a fazer silêncio.
Depois, ao outro dia pela manhã, de rosto corado e olhos baixos, dava os bons dias aos pais como se nada tivesse acontecido. E na rua, os mais velhos falavam da noite como se lhes tivessem sido dedicadas as serenatas.

Recomendo aos apaixonados, diz-me ela!


imagem: google


com carinho
Mz

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Cão de Guarda




Durmo com um cão debaixo da minha cama
Guarda-me de feras e de fantasmas
Da noite escura e dos barulhos que parecem não ser humanos.
Durmo com um cão debaixo da minha cama.
Quando estou sozinha, não posso dizer que estou só
Tenho-o a ele, meu cão de guarda
Respira como gente e acalma o meu medo.





:)

Aguarela daqui



Com carinho
Mz

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Anjos...


Da minha infância, não me recordo de alguma vez me questionar sobre os valores materiais, espirituais ou de outros valores que fazem parte da formação de uma criança e por conseguinte do ser humano.

Não me recordo de, questionar Deus.
Não me recordo de, questionar Morte.
Tudo se me apresentava natural e único no meu universo de menina. E o tudo era de toda a gente.
Acreditava em fadas e em bruxas e até pensava que iria ser criança a vida toda.
Da morte não me falavam.
As pessoas morriam, eu sabia! Mas, a morte era coisa que só acontecia aos velhos.
E velhos eram aquelas pessoas enrugadas e de cabelo branco, curvadas na sua bengala também velha e de madeira antiga.
Acreditava tanto nisso, que, até mesmo a morte do meu irmão bebé não se me ocorreu como uma morte. A morte não era para seres pequeninos com poucos meses de vida.
Deus levo-o simplesmente, como um anjo, e eu até acreditava em anjos e num céu povoado por seres transparentes com asas como as nuvens.
Foi um dia estranho. O dia, foi de visitas muitas visitas como se fosse uma festa em que os sorrisos tinham sido roubados das bocas das pessoas. Havia um fotógrafo, mas o único que sorria para mim era o meu irmão bebé que permanecia imóvel numa espécie de altar feito em cima de uma mesa na sala dos meus avós.
Embora estranho, tudo foi aceite.
E depois, esqueci...
Não me recordo de se falar mais desta morte.

Um dia, ainda criança e quase adolescente fui encontrar os vivos e os mortos todos juntos num álbum enterrado no fundo de uma gaveta e, nesse mundo de mortos e de vivos que teimamos em guardar para se acaso um dia se nos varrerem da memória, lá estava ele, o meu irmão bebé a sorrir para mim.




Para a Fábrica de Letras  com  “TEMA LIVRE” este Mês de Setembro.


Imagem:daqui




Com carinho
MZ

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

AMOR incondicional...



Pudesse eu, esmagar-te suavemente contra o meu peito forte.

Prender-te com laços de seda fina,
Levar-te por todas as viagens.
Fazer-te voar, entre nuvens de sonho e adivinhar o teu sorriso em toda a ternura que te ofereço.
Pudesse eu.
Ai pudesse eu, mergulhar nos teus olhos de mar e navegar tranquilo, quando não estás comigo.
Pudesse eu, esmagar-te contra o meu peito, onde guardo todas as minhas emoções e angústias.

Pudesses tu,
Pudesses tu, sentir o meu coração frágil e apertado, explodindo cristais de amor.
Saberias o quanto TE AMO!

Enquanto isso, tenho-te nos meus pensamentos e na tua fotografia para compensar todas as distâncias.
Aguardo cada regresso e finjo embalar-te em abraços delicadamente apertados sonhando-te menina feliz.



 
 Porque uma fotografia pode levar-nos a emoções fortes, muito fortes.

Dedico este pequeno texto ao meu querido amigo J..., comissário de bordo e à sua filhota.



Fotografia: daqui 




Com carinho
Mz

sábado, 21 de agosto de 2010

O sonho...


Esta noite, Morpheu veio ao meu encontro. Espreitou o tule alvo do docel, contemplou o meu corpo adormecido e deitou-se a meu lado...
Inebriado pelo cheiro a alfazema impregnado no linho dos meus lençóis, penetrou suavemente o meu sono e senti-o dentro de mim.
Numa realidade inconsciente, metamorfose de um sono que se tornou sonho aconteceu,uma viagem...

Milhares de estrelas do mar davam luz a um oceano mudo de azul muito profundo.
Avistei montanhas e florestas de corais,
recifes belos e coloridos,
jardins de anémonas,
cavalos marinhos,
palhaços do mar...
Borboletas que eram peixes e plantas que eram animais.
Estranhas criaturas marinhas, pareciam saídas de um mundo que não era o meu.
Cardumes de prata serpenteavam ao meu redor e as estrelas do mar continuavam a iluminar o meu caminho.
Lá no fundo, castelos de areia encerravam baús vazios, outrora, vergados de tesouros magníficos!
Milhares de medusas abriram caminho para eu passar e Neptuno vestiu-me de conchas, enfeitou-me de pérolas raras, prendeu-me o cabelo com fitas de algas, ganchos de madrepérola e perfumou-me de maresia.
Depois...
Depois, ofereceu-me as asas de uma jamanta e eu demorei-me naquele vôo de regresso, deixando que a água do mar passasse por mim e me lavasse todas as jóias... permanecendo só eu o meu corpo e o meu sono sereno...





(imagem:Google)


Para a Fábrica de Letras ainda com o tema deste mês de Agosto "Uma Grande Viagem"

Este post foi originalmente escrito por mim a 2 de Julho de 2009 AQUI 






com carinho
MZ